domingo, 23 de outubro de 2011

Filhos De Ninguém...Por Xue


Filhos De Ninguém

E a pobreza enquanto se apresenta como "falta" tem qualquer coisa de cruel. Lembro de um caso que li certa vez,  de um rapaz que tinha sido miserável  durante toda a sua infância.
Ele chorava muito, não conhecera seus pais, só lembrava de um velho a quem chamava de avô, por vezes pensava que devia ter feito alguma coisa para merecer aquilo, mas o quê? Ele apanhava dos arruaceiros, se escondia dos drogados, tinha medo da policia. Fazia pequenos serviços por uma refeição, e quando dava jeito ia até algum restaurante onde o dono lhe pedia para tirar o lixo em troca de comida.
Um dia ele foi adotado por uma bondosa senhora. Ela deu-lhe um teto ,roupas, estudo, e afeto. Agora não faltava mais comida.
-Que pena o vô ter morrido - dizia para si.
Devagar, a boa senhora foi  lhe ensinando o significado da palavra dignidade. E Assim o moço foi crescendo, e por vezes ainda conseguia ensaiar um singelo sorriso.
Quando chegou na idade, o garoto agora homem feito, foi prestar o serviço militar, era obrigatório. Levado pra guerra, ele não viveu sequer um mês. Quando a senhora recebeu seus pertences, entre suas coisas tinha uma pequena carta dirigida a ela.
-Querida mãe, porque me ensinaste tantas coisas boas? Não consigo matar. Se eu não voltar quero que saiba, o tempo que passei com você foi o melhor de tudo. Obrigado.
Dona Almerinda chorou como jamais havia chorado em toda a sua vida. Ficou sem comer, sem dormir, por algum tempo. Fez tratamento psicológico, os amigos faziam o que podiam para tentar ajudá-la  a superar a dor daquela perda tão sofrida.
Ela era idosa já, e seu estado emocional a deixava fraca, suscetivel a doenças. Um dia aconteceu um fato que mudou completamente  o curso de sua vida. Alguém bate a porta e, mal se aguentando em pé,  Dona Almerinda foi abrir,  achando ser a faxineira. Quem está à porta é uma menina miúda, de roupas rotas e olhos arregalados.
-Tem alguma coisa para eu fazer senhora? Preciso comer, por favor.
O que a senhora vislumbrava ali era o retrato da fome.
Sem qualquer gesto brusco  ela abre a porta lentamente  e dá passagem para a garota. Já dentro de casa, esta prepara e coloca um enorme sanduiche e um copo de leite  em frente a pequena faminta.Em silêncio, ela se dirige para o quarto. Quando acorda, muito tempo depois, sua amiga está lhe trazendo o jantar. E esta lhe pergunta da garota:
-Ela veio pedir o que comer.Eu dei.Como sabes dela?
-Como sei?! Ela lavou a louça, limpou a cozinha, varreu o quintal e quando cheguei ela estava aflita por voce ter dormido o dia todo.
Dona Almerinda ficou pensando. Aquela garota de rua podia ter ido embora depois de comer,não foi. Podia ter-lhe carregado a casa inteira se assim o desejasse. No entanto ficou ali perto dela, que parecia doente demais. Que poderia ela fazer por mim? Nada. Porém. achou-se na obrigação de agradecer a comida.
Enquanto esperava, foi lavando os pratos da pia. Quando acabou foi espiar a ver se a senhora respirava. Achou uma vassoura atrás da porta e seguiu varrendo. Dona Almerinda nunca mandou a menina embora, e a menina nunca se foi. As amigas ficaram de "olho", apreensivas pela amiga, uma vez que tão frágil, esta poderia ser alvo de má fé da garota de rua.
O inusitado é que a senhorinha teve uma melhora de saúde surpreendente. Ambas tinham afeição uma pela outra. A garota, Janaina era o seu nome, falava pouco, e levou muito tempo para contar sua história. Almerinda entendia e respeitava.
Porém, um dado novo traz mudanças de  novo em suas vidas.Uma noite, ouvindo as noticias enquanto a menina estava em seu quarto, Janaina entra na sala para pegar um livro e vê na televisão a foto de um deliquente e começa a gritar.
A velha senhora sem entender, pensando que ela estava com dores, corre a acudir.
-Que foi meu bem? Sente-se mal?
-Não deixe ele me achar, por favor
-Calma, calma, está tudo bem. Niguém vai te fazer mal.
Depois  de acalentada. a menina começa sua narrativa
-Eu morei com aquele homem que apareceu na televisão.
Ele me usava de mulher dele e me dava para seus amigos fazerem o mesmo. Fugi várias vezes, mas ele me achava sempre. Dizia que se eu fugisse novamente me mataria desta vez. Me fazia dizer a todos que era meu pai, mas imagino que não era mesmo. As familias se cuidam e ele  só ganhava dinheiro comigo. Não queria lhe dizer nada disso, me desculpe. É tudo tao feio que a senhora vai sentir nojo de mim agora. Eu fui encontrada no lixo quando criança e uma irmã dele me levou pra casa numa noite chuvosa.
Dona Almerinda mal conseguia conter-se de emoção.
-E a tal irmã dele, onde está?
-Ela morreu  por causa de droga, faz muito tempo
Se ele me descobrir aqui, terei de voltar pra casa, pois é capaz de ameaçar sua vida também.
-Ai  minha filha querida! Vai longe o tempo que eu sentia medo - disse a senhora sorrindo de leve - Bem... acho que chega de emoções por hoje. Vamos dormir agora, amnhã é outro dia. Vamos resolver isso tudo, prometo.
O homem a quem a menina se referia estava preso agora, ela não sabia. Era por isso que seu rosto estava estampado em rede nacional. No dia seguinte Dona  Almerinda resolveu adotar a menina.
Hoje em dia ela já é falecida, porém deixou Janaina crescida e médica formada.
Dizem suas amigas que antes de fechar seus olhos ela disse à filha adotiva:
-Quero-te dizer o quanto sou grata por ter vocâ em minha vida. Acho mesmo que tive muita sorte. Vivi duas vidas. E foi por causa de você que eu ressuscitei.
Janaina, emocionada, dizia:
-Eu também tive sorte e duas vidas.
As amigas estavam todas lá, juntas. E de fato nunca tinham visto uma pessoa morrer feliz.
Janaina não estava mais sozinha agora. Seu filho nasceria logo, as amigas de Dona Almerinda esperavam sinceramente que ela e o marido fossem muito felizes.
 Era tão bom se todos os filhos de ninguém encontrassem alguém!
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