terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Viagem De Tereza... Por Hilda Milk


A Viagem De Tereza
Os demais podiam falar ou pensar o que bem entendessem, porém Tereza fazia o que lhe dava na cabeça. Há muito se perdera de seu próprio "eu" e agora procurava na natureza, outras vidas que talvez se aproximassem daquilo que ela deveria ter sido ou vivido. Ainda não voltara a sorrir, mas o seu olhar ,no momento, tinha qualquer coisa de inquietação, era como se  de repente começasse a  perceber o mundo a sua volta. É claro que os óculos novos que usava agora, faziam toda a diferença!
A serra da canastra era um lugar místico com suas cachoeiras de águas cristalinas e imenso espaço verde, ela nunca havia visto tantos pássaros juntos em toda a sua vida.
Todos os dias Tereza acordava com o cantar do galo, fato extraordinário este, em pleno século vinte um, na era da tecnologia digital,ser despertada pelas aves. Passeava por trilhas da mata fechada, via tirarem o leite de vacas,cabras. Comer dos queijos fabricado ali mesmo.Os cavalos maravilhosos,e a gentileza das pessoas era reconfortante.Aquilo  era um pedaço do paraiso.Tinha televisão, parabólica e internet também porém, nem lembrava de ligá-los.Só na hora de dormir que abria seu laptop para despejar seus filmes e  registrar seus pensamentos.Primeira viagem de sua vida e sozinha.Tantos anos de orfanato e quando teve idade para sair foi para trabalhar e depois ela praticamente morava no hospital, não era por acaso que agora era enfermeira chefe da ala cirúrgica.Trabalhava feito uma verdadeira "camela".
As férias vieram em boa hora pois ultimamente andava triste,sentia uma  certa ausência em sua existencia e esta viagem fora presente de dona Laurinda. Senhorinha que estava internada fazia uns tres meses na ala geriátrica.
Aproveite dizia ela, fique hospedada em minha casa.A principio Tereza ficou em dúvida,depois pensou:_Porque não!
Dona Laurinda organizou tudo para que recebecem sua enfermeira preferida com toda a presteza possivel.A velhinha era mesmo uma "danada",por debaixo daquela aparencia frágil havia uma mulher enérgica e determinada,uma empresária de relativo sucesso e mesmo no hospital ,ela não largava seu computador portátil ou o celular.Ela havia extirpado um tumor malígno depois foi uma dificuldade pulmonar e por conta disso praticamente montou um escritorio na sua suite.A única pessoa que ela escutava era Tereza, então quando a senhorinha ficava "dificil", os medicos mandavam chama-la imediatamente para que pudessem fazer os devidos procedimentos.
Todos reclamavam muito da velhinha excentrica, menos Tereza. Uma recíproca verdadeira que acabará por uni-las num momento delicado da vida da idosa.
Agora Tereza estava em Minas Gerais ,numa propriedade rural cercada por tanto verde que chegava a emocionar.Parecia uma menina descobrindo a vida.
Uma tarde de sol quente, estava ela andando pela trilha perto do rio quando se depara com uma grande árvore.Era um convite a desfrutar tamanha sombra fresca.Tereza faz o cavalo parar e desmonta.
O tronco era gigantesco ,havia um desenho de um coração com uma inscrição bem no meio da árvore.'Aqui encontrei o meu amor'.Um sorriso aflora seus lábios.Teria sido dona Laurinda!?
acomodando-se  entre as fissuras da árvore Tereza susurra:
_Isso que é viver.Sentindo-se como que aninhada nos braços da mãe natureza,adormece.
De repente é sacudida com força.
_Acorda moça...Que faz aqui dormindo sua louca?! Isso é propriedade particular,sabia!
Ela olha sobressaltada para o homem a sua frente ,sem entender direito o que se passa.
_Desculpe moço ,invadi sua propriedade!? Lamento muitíssimo,foi sem intenção ,nem vi cercas nem porteiras porém, pego meu cavalo e me vou já.
_Que cavalo?! Não vejo nenhum por perto. Disse o sujeito olhando em volta, com irritação evidente.
E olhando em volta...
_Ai, o bandido me abandonou aqui!...Ainda bem que é dia ainda e posso seguir as pegadas do danado,voltando de onde eu vim. Morta de vergonha por ser pega desprevenida ela se despede dizendo:_ Me desculpe novamente. E se foi.
Chegando em casa apressa-se certificar que o cavalo esteja no estábulo.E lá estava  o fujão, o capataz  lhe fala que  havia mandado alguém no seu encalço quando viu o cavalo chegando de volta sozinho.Agora falava pelo rádio avisando que ela chegara sã e salva.
Na hora do jantar tem uma surpresa a sua espera.
Maria, a administradora da casa, faz as devidas apresentações.
_Thiago conheça Tereza, amiga de sua mãe e nossa hospede.
Tereza percebe que agora foi a vez do antipático perder a pose. Com um aceno de cabeça ele a cumprimenta. Ao que ela responde.
_Nos conhecemos já Maria, invadi sua propriedade hoje a tarde.
Sem entender nada a senhora se retira dizendo:
_Seja gentil Thiago, por favor.
_Aahahhaha...
O rapaz se segura para não rir com ela. De onde mamãe tirou esta figura? Pensava.
Deve ser outra provável candidata, cruzes!
_Gosto de comer calado ok.
_Ahahahahahah...
_Estou com cara de palhaço, por acaso?
Mal conseguindo se segurar, ela retruca:
_Desculpe, achei engraçada a reprimenda de Maria.
_Sei, Maria tem regalias de mãe para comigo. Mesmo que eu faça a cara mais feia do mundo, ela me trata como se eu ainda fosse um filhote.
_Nem sabe a sorte que tem moço.Uma mãe já tem seu valor, imagine duas.
Na hora da sobremesa
_Cheguei ontem a noite do Canadá, dormi muito e quando acordei o dia estava tão lindo que fui andar a cavalo,não sabia que havia hospedes na casa.
Peço que me desculpe a grosseria de hoje a tarde. Me senti incomodado porque voce estava dormindo naquela fissura, na "minha" fissura.
Falei com mamãe mais tarde, ela me explicou que voce ajuda ela a passar por aqueles exames todos no hospital. Fico-lhe grato por ser gentil com ela.Voltei assim que soube que ela não estava bem e agora  eu fico no Brasil por seis meses.
_Por favor, não me agradeça e não se sinta obrigado a ser gentil também. Lido com todo tipo de gente todos os dias. não gosto nem desgosto, é o meu trabalho.É verdade que alguns me despertam interesse incomum. É o caso de sua mãe. Porém, houveram outros antes dela e com certeza haverá outros depois. Só uma  coisa a difere dos demais.
Sua mãe parece me querer na vida dela, o que é curioso, em geral a maioria dos pacientes quando sai do hospital, prefere o esquecimento. Nem sabe o quanto ela insistiu para eu vir passar minhas férias aqui. E tem sido dias gloriosos.
Não tinha idéia que o encontraria senhor Thiago e por acaso Dona Laurinda nem mencionou isso também, em nossa ultima conversa hoje de manhã.
_Tudo bem,vou ficar aqui por mais dois dias e vou a capital ficar com mamãe.Me trate por "voce",faz favor.Voce fica até quando?
Ela olha para ele sem graça.
_Minhas férias se encerram em tres dias mas,vou amanhã embora. Não quero abusar de sua hospitalidade.
_Olha ,por mim podes ficar o quanto quiser.Vou estar ocupado demais para perceber sua presença.Com a ausencia de mamãe isso aqui deve estar com tanta coisa para fazer.
Alias...Se quiser,dou-lhe uma carona pois vou pra lá também.
_Se não se importar eu aceito sim, assim ganho mais um dia neste paraiso.
Vou me retirar então...Boa noite.
Quando em seu quarto,Tereza demora a conciliar no sono.
Tinha trinta anos agora.Se sentia desajeitada perto de Thiago.
_Belo rapaz.Pensava consigo...Se olhando no espelho, concluía, até que fazia boa figura. Estes óculos fundo de garrafa é que destoava um pouco.
Que estou pensando! Melhor ir dormir que ganho mais.
Os dias que se seguiram foram de cordialidade entre os dois. Tereza se sentiu tão contente que ficou com pena das férias terem terminado.
Na segunda-feira chegaram juntos os dois, para a visita de Dona Laurinda.
_Que coisa boa ver as duas pessoas que mais gosto no mundo juntas!  Em meio a risadas os dois beijaram a senhora com afeto.
_Fico grata por me convidar para a sua casa minha amiga!Foi uma estádia fantástica e eu não vou me esquecer nunca, mesmo porque, tirei tantas fotos que nem o cachorro perneta escapou. Mais risadas.
A vida por vezes traça rumos que ninguém imagina onde vai dar.
Em uma semana Dona Laurinda abandonou o hospital, no entanto praticamente adotou Tereza como se fosse da família.
As folgas de Tereza , que antes praticamente não existiam, agora eram semanais, que ela passava em companhia da amiga em sua propriedade rural.
Thiago estava por perto durante seis meses e quando teve de partir despediu-se agradecendo muito o carinho para com sua mãe.Abraçou-se a ela e disse que voltaria logo.
Tereza nem sabia explicar, mas quando ele a soltou sentiu  um frio.Que coisa estranha! Pensou.

Um dia passeando a cavalo com Dona Laurinda, param para descansar na antiga árvore e Tereza pergunta:
Quem escreveu a transcrição na árvore?
_Foi o avô de meu marido. Disse sorrindo
_Ele plantou esta árvore quando comprou a propriedade e alguns anos depois se casou com a filha do antigo dono. Já tinha filhos quando  ele fez esta transcrição. Anos mais tarde sua filha, minha sogra, veio e reforçou a frase pois casara-se com um comprador de boi que vinha com freqüência para  escolher reses no pasto. A família era criadora de gado,sabe.O meu marido fez o mesmo também.Disse ela emocionada.
_Eu era estudante de agronomia e vim para a esta região fazer um estágio.Só voltei para a capital para pegar meu diploma. Ahhhaaha.. Éramos doidos os dois, o amor nos faz malucos sonhadores.Ainda sonho com ele todas as noites.
_Que bonito! Então é por isso que apesar de antiga, é ainda bem preservada as palavras gravadas.Bela tradição de família, sim senhora!
_Sim. E espero que o aventureiro de meu filho um dia também venha, a reforçar estas.
Ambas ficaram em silencio por alguns momentos.
_Vai sim,com toda a certeza e terá sua casa ainda cheia de netos.
_Tomara...Espero muito por este dia.
Tereza aprendeu tanto sobre as pessoas no hospital  porém, não entendia a si própria.
Agora tinha uma amiga e nunca contara sua história, se abrir era muito complicado. E tinha o Thiago que a perturbava de uma maneira estranha e cada vez que seu nome era mencionado seu coração parecia balançar dentro do peito.Havia uma certa esperança em seu olhar,coisa mais boba isso! Trocara os óculos por lentes de contato para ficar mais atraente.Se perguntava com freqüência senão devia se recolher a sua própria insignificância,afinal ele não demonstrava mais que uma gentileza para com a enfermeira e amiga de sua mãe e ela nem ousaria a colocar em palavras, seus desejos.
Neste fim de semana despedira-se de sua amiga e dizendo que trabalharia cobrindo as férias de uma colega por um mês inteiro  então... Não poderia vir visitá-la  por algumas semanas.
Os dias passavam depressa para a enfermeira, pois a rotina do hospital é por demais absorvente.
 Incrível este ir e vir de vidas. Ironicamente pensando, sempre tem alguém nascendo  ou morrendo e o papel de um médico e de seus assistentes  é crucial este momento. Fazer o possível para amenizar dores,sejam estas de uma partida ou ...uma chegada  ao mundo.
Uma noite ao chegar a casa  o telefone tocava sem parar. Quando Tereza atendeu era Thiago
_Quando vais ter folga moça?
_Xiii.Isso está longe ainda.Disse com um sorriso.
_Já está em casa?Que bom!Dona laurinda está bem?
_Sim sim sim.E você não vem tem três semanas.Ela está com saudades e ,eu também.
O coração da moça deu um salto.
_Vou à próxima semana, Prometo.
_Pode ser amanhã?
_Ahhahaahaa, nãaaaa. No domingo próximo.
Que bom que você está de volta, assim sua mãe não trabalha tanto.Tenho achado ela cansada e sozinha, ela acaba abusando da própria resistência.
_Pode de deixar que vou cuidar dela, enquanto sua guardiã estiver fora mas, o melhor mesmo era você estar aqui pertinho. E despediram-se...
Toda  a noite agora ele ligava. Falavam de trivialidades, de trabalho, de sua mãe, dos cachorros, até da festa do padroeiro que ia acontecer em breve.Por vezes Tereza se perdia em fantasias e dormia assim, embalada por sonhos.
Era sábado e Tereza acabara de sair do banho, pedira uma pizza e enquanto esperava  ia arrumar algumas roupas numa maleta, depois ler um pouco...
 A campanhinha toca... Ela corre atender o rapaz da pizza. Ao abrir a porta quem está em sua frente é Thiago. Os dois se olham por momentos e sem dizer nada, atiram-se um nos braços do outro...
Era um casal apaixonado que pegava a estrada em direção a Serra Da Canastra no domingo.
Dizer que Dona Laurinda ficou feliz com a novidade, era pouco, ela não cabia em si,de tanta alegria.
Tereza e Thiago casaram-se três meses depois e a cerimônia foi na sombra da árvore antiga, onde se conheceram.
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