domingo, 27 de novembro de 2011

Vontade De Dizer ...Por Augusto Abade


Vontade de dizer

Gusmão e Irene estavam sentados à mesa a tomar o pequeno-almoço. Era um dia soalheiro de princípio de Outono. Lá fora, esvoaçavam as primeiras folhas, amarelas e vermelhas, que ambos viam cair entre olhares cruzados para o croissant matinal e a janela que os separava do jardim. Nos jornais entregues à porta uma hora antes, nada havia de interessante para comentar. Sempre as mesmas notícias sobre a guerra que se aproximava.

- Que achas de dar um nome a uma sobremesa para depois a nossa cozinheira imaginar o conteúdo? Ela anda tão entediada a fazer sempre as mesmas…

Gusmão olhou para Irene surpreendido. Ela nunca dizia nada ao pequeno-almoço.
- Está bem. Posso fazer uma lista.

Gusmão levantou-se e foi ao escritório. Quando voltou trazia uma folha de papel e um lápis. Começou a escrever. Nunca na sua longa vida de casal tinham tido um pequeno-almoço assim. Vinte minutos depois, já os croissants meio comidos estavam frios, Gusmão disse para Irene:
- Já tenho a lista de nomes. – E entregou-lhe a folha de papel completamente preenchida com o castanho que usava para escrever as cartas mais importantes.

Irene pegou na folha de papel e leu:

“LISTA
Nomes de sobremesas
Tapete rolante; Hoje não há luz elétrica; Amanhã há peixe fresco; Batida de coco; Não há caneta que aguente; Tinta da China; Fábrica das línguas; Pecador de palavras; O construtor de palavras; Carapaus de corrida; Há nevoeiro no mar; O caracol das letras; O polegar que segura a caneta; Adão e Eva andavam nus; Praia de nudismo; Tinta com areia; Xixi fica para depois; Inventário de palavras; Preciso de óculos para ler; A mão que segura a tinta; Há loiça para lavar; A tinta que escorrega da mão; Manga, maça e peixe assado; De olhos na folha; Manjericos à janela; Folha de desejos; Escrever não provoca enfartes; Espinafres com letras; Não há livros para ninguém; Insónia dos dedos; O teclado sofre de insónia; Palavras sem fronteiras; Tinta sem fronteiras; Rebuçados sem fronteiras; retelingus; Areia demais para a minha camioneta; Vou ali mas fico aqui; Letras de Adão e Eva; O teclado não há meio de emperrar; A camisa de linho; Queijo e marmelada; Não há livros para ninguém; Bastam 5 minutos para devorar; A pena que lavou a mão.”.

- Lamento meu Gusmão querido mas acho que a cozinheira não vai gostar de nenhum destes nomes.
    ***************   FIM   ****************

Nenhum comentário:

Postar um comentário