quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Dona Dos Medos...Por Hilda Milk


A Dona Dos Medos

_Me sinto murchar na escuridão.
_Por que?
_Não sei...Me ajude por favor. Sua tristeza era tão evidente...
Vivo assim tem muito tempo. Nunca  gostei de intromissões, pois todos tem tantas críticas, não conseguem compreender a diferença entre acrescentar algo ou diminuir o próximo. Tantas certezas de tudo, é como se o mundo realmente fosse único e so existisse um caminho bom. Isso presta, aquilo não é bom. Não ande com fulano, beltrano é vagabundo. Não saia sozinha, não chegue tarde.Passei parte da vida escutando  não isso, não aquilo.
_Quem dizia!
_Minha mãe...Ahahahahhh. Agora devo entender que meu "problema" começa com ela! Todos devem mesmo começar com ela, afinal saimos de dentro da mãe não!
Depois teve os outros também doutor...Todos entoando o mesmo refrão."Não"
Mesmo quando não nos conhecem direito, parecem teem opiniões críticas e destrutivas.Quer um exemplo simples?
Uma vez tive que preencher um formulário num curso e coloquei  que minha instrução religiosa era
Judia, pois saiba que passei quase tres meses ouvindo piadinhas desagradáveis por conta disso, e olhe que nem sou praticante...Hehehe
_Mas se cansaram e pararam,não foi?
_Não doutor, o curso acabou neste prazo. Mais risos...
Até o mais  evoluido dos doutores tinha que se rir, diante de tal criatura.
Esta moça era cheia de beleza interior, tinha inteligencia, senso de realidade e consciencia da própria loucura. Um verdadeiro desafio para psicólogos que pensam que só consultar a cartilha  de bolso e já conseguem um prognóstico brilhante e preciso.
Daniel se sentia atraido por seu caso. Estão nestas conversas há tres meses e ainda não consegue identificar ou diágnosticar esta paciente, quando pensa ter encontrado o "fio" do problema ela mesmo aponta novas informações ...Olha que este era reconhecidamente  um especilaista no assunto.
Dia destes quando terminaram a consulta ela  disse-lhe sorrindo abertamente:
_Quando oficializamos nosso namoro?
O doutor Daniel ficou vermelho até a raiz dos cabelos com tal observação.
A primeira vez que esta apareceu em seu consultório, foi bem clara em dizer que só estava ali por força de sua melhor amiga.E era verdade, sua amiga Vania a trazia todas as vezes e esperava na saida.Isso aconteceu até sua quarta consulta...
_ Voce vai sim...Ou então nunca mais falo com voce.
_Como ve doutor, estou aqui por livre e espontanea pressão.
Margarida  começou a se isolar gradativamente depois da separação. O marido se foi, por causa de outra.
Isso parecia ser a causa mais relevante no seu prognóstico.Seu único contato externo era justamente Vania.
_ Não foi bem assim, se foi por que não gostava mais  de mim. Depois de dois anos de casamento, mal nos olhavamos.
Foi morar com outra azarada.Ahahahaha...
Parecia ter pouca auto-estima porém, era engraçada e bem humorada.
Conversava tanto que por vezes chegava a me confundir.
_Pare Margarida.Estamos saindo do assunto.
_É que não há mais assunto.
Daniel ficava pensando e pensando.
_Esta mulher é um emaranhado de informação.Dificil encontrar o foco.
Consultava seus colegas.
_Estas doutoradas tem problemas de relacionamento por conta dos complexos dos outros, não delas em si Daniel.
_Pois engana-se, Margarida não é doutorada, nem formada é...Mas é bem culta.
_ A questão pode estar ai mesmo. Acompanhe meu raciocínio, as pessoas em geral gostam de estar com seus iguais.Vamos ao relatório desta moça...
Margarida é moça simples.Vive uma vida simples, casa com um homem simples. Porém quando a conhece melhor, ele nota que ela não é tão simples assim. Isso complica.
Quando o marido percebe que ela é inteligente a príncipio fica muito orgulhoso de sua esposinha, mas isso pode confrontar com suas inseguranças com o passar do tempo, abalando a relação.
_Ele a deixou por ela ser inteligente!Opsss...
_Ele a deixou por se sentir inferiorizado.
_Ele foi viver com outra(igual) e ela, Margarida, se sentindo culpada se isolou.
Daniel ficava pensando demais nela...Parece forte, no entanto...
Um dia tomou iniciativa e decidiu.
_Hoje será nossa ultima consulta...
_Como! Estou boa já!?
_Voce nunca esteve doente.
_E o que faço com meus medos todos? Por que está me dispensando?
_Por que nossas conversas são ótimas e me sinto culpado de cobra-las.
Voce tem tanta coisa boa dentro da cabeça que isto está virando distração e não tratamento.
Vai fazer algo por quem precisa Margarida, tenho uma amiga que gostaria que conhecesse.
Ela trabalha com crianças carentes e precisa muito de voluntárias, quer?
Seu problema é solidão Margarida.E seu maior medo é magoar quem gosta e disso, todos corremos risco.
Não pode evitar ser quem é, como não pode também mudar os que a cerca.O isolamento não é boa opção acredite.Na melhor das hipóteses nos asseguramos todos de uma coisa, o respeito mútuo.
Há pessoas que precisam e podem gostar muito, tenho certeza, de voce.
Apartir de hoje não sou mais seu médico, voce vai sobreviver.Boa sorte.Comprimentando-a conduziu até a saída.
O tempo foi passando e Daniel não soube mais de Margarida, podia ter ligado para ela...Não, não podia. A ética não permitiria.
Certa vez  fazendo voluntariado numa ONG(organização não governamental), um destes lares, onde as crianças teem mães adotivas...Daniel teve a vaga impressão de ver  Margarida, claro que devia ser impressão esta parecia bem mais jovem  e corria com as crianças pelo gramado feito uma adolescente.
Estava atrasado, perdera tempo precioso no transito e a diretoria do abrigo o aguardava.
_Bom dia doutor Daniel.
A secretária anuncia sua chegada e o conduz a sala de reuniões.A surpresa do moço não podia ser maior.A sua frente estava..._ Margarida! Com um sorriso no olhos ela o comprimenta e convida a sentar-se.
Tudo acertado então...O doutor terapeuta daria expediente na instituição infantil tres vezes por semana.
Margarida estava bem recuperada e feliz fazendo algo por quem  realmente precisava dela._Acho que deve ser isso o que importa, fazer algo construtivo.
Quando lembrava das palavras desdenhozas do ex-marido, ficava triste mas, pensava agora  que o problema era dele e não dela.
_Quando acordo pela manhã e vejo o mundo cinza, não me importo mais pois tenho as crianças que me esperam aqui,pode que elas não saibam porém, aqui temos trocas incríveis, dou um pouco para elas e sou recompensada em muita satisfação .Por intermédio delas vamos reconstruindo as cores do mundo que pode ser melhor ou menos feio.
Rever Margarida foi bom...Daniel não entende direito as coicidencias da vida mas, algo lhe diz que os dois vão estar juntos, por algum tempo ainda.E pensar nisso, traz sensação de bem estar.
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Pintura de Jean Jacques Henner