quarta-feira, 16 de maio de 2012

Memorial Dos Esquecidos...Por Hilda Milk

Betinho andava sempre tropeçando pelas calçadas. Quando não era bêbado era drogado, e não ligava para nada...Todos o conheciam, pois morava na mesma rua havia mais de trinta anos.
Pois é hoje o Betinho caiu no meio do quintal de sua casa e morreu ali mesmo, o coitado...A  ambulância chegou e logo foi embora dizendo que o IML(instituto médico legal) viria mais tarde, buscar o corpo. Este fato aconteceu as cinco horas da tarde e o Betinho ficou estendido ali, até pelo menos as duas horas da madrugada.
Fiquei sabendo de seu falecimento quase que na "hora" mesmo.
O dia seguinte nos encarregamos de narrar tudo que podiamos lembrar da vivência de Betinho e cada um relembrava o fato corriqueiro ou engraçado compartilhado com amigos e vizinhos... Sabia-se instintivamente que esse era o dia de Betinho, como se fora uma última homenagem
A filha e o filho estavam chorosos mas Elvira, a esposa, não. Se alguém de fora achava aquilo estranho, não dizia nada. Elvira era mulher madura, com seus quarenta e poucos ainda conservava alguma beleza da juventude.Tinha qualquer coisa no olhar, parecia vazia e não triste, só vazia.
Quantas vezes ela tentou abandonar esse homem...Uma vez ela voltou por que ele ficou em coma internado por muito tempo, tinha tomado uma surra do irmão de uma amante. Noutra ocasião, ela teve de voltar por não conseguir dar conta do aluguel dos comodos que vivia, e do sustento dos meninos ainda pequenos.
Se já era difícil aguentar o marido bêbado, imagine aturar também a sogra, que vivia no mesmo quintal e era também uma alcoólica em tempo integral!
A morte é mesmo inevitável, viva bem ou viva mal, um dia voce morre e nem adianta fugir, se esconder ou precipitar as coisas.
Há pessoas que chegam até a dizer de que jeito querem morrer: _Eu quero morrer dormindo. _Gostaria de morrer sem dor.
_Quero morrer de surpresa. Adianto que os muitos que sofrem, não é por pedirem para morrer sofrendo.
Lembro-me de quando criança tínhamos medo dos velhos...Alias do que me lembro, parecíamos ter medo de tudo e todos nós crianças, não queríamos ser velhos nunca!
Mas voltando ao falecido Betinho...A sua filha, que está grávida, passou mal e teve de ser atendida as pressas no hospital.
A mãe dele, que está internada num abrigo de idosos agora, e milagrosamente estava sóbria neste dia.
A única irmã do morto, triste e infeliz também tentava parecer calma e administrar a situação toda. Desde que levara a mãe para morar com ela nunca mais soube o que era sorrir
Elvira que não aguentou mais a sogra, praticamente obrigou a irmã do marido fazer alguma coisa a respeito.A velha senhora ficou uns seis meses morando com a filha e finalmente  foi parar no abrigo de idosos.Contam que uma noite ela surrupiara uma garrafa de wisque e bebeu toda de uma vez e foi para o jardim gritar para quem quisesse ouvir que a filha, uma senhora respeitável, havia sido "puta" quando era solteira. É claro que omitira um pequeno detalhe, ela mesmo aliciara a filha para a prostituição.Tal revelação causou uma grande comoção, abalando a família, de fato que agora, a filha só vai ao abrigo para pagar a estadia da senhora.
Era um dia frio e cinzento esse, e o corpo do Betinho só foi liberado pelo IML as quatorze horas do dia seguinte.
Todos estavam agora muito silenciosos e contidos, cumprindo sua obrigação. Enterraram o Betinho e foram todos para as suas casas quase correndo enquanto o mundo desabava em chuva.
Mais um  que vai condenado, para o memorial dos esquecidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário