_Dizer que eles existem de certeza, seria um tanto quando prematuro já que vivemos dentro de uma escala onde só a massa corpórea vale e ainda temos vidinha breve dentro da mesma.
As igrejas pregam o céu e o inferno então se almas existem...
Lembro-me uma casa antiga que havia no morro de Santa Teresa. Diziam que esta era datada do tempo do império e era casa de escravos, os moradores costumavam dizer que algumas noites quando se passava perto das ruinas abandonadas podia se ouvir o barulho das correntes sendo arrastadas. Aquilo me arrepiava... Existem também ruinas nas missões jesuitas no interior do Rio Grande Do Sul e é comum as pessoas sentirem a presença mística do lugar. De minha parte só posso garantir que não estamos sós, agora quem anda conosco, isso eu não sei.
Este é seu Chico, um velhote esperto e muito bem quisto por todos na comunidade. Adora contar suas histórias e podiamos conversar com ele até altas horas e nunca faltava assunto.
Ele nos contava fatos incríveis.Quando cresci fui estudar na capital e me lembro que do Seu Chico eu sentia mesmo muita falta. Quando chegava as férias encontravamo-nos todos de volta na nossa vila e corríamos visitiar seu Chico.
_Mas, naquele ano, seu Chico não estava lá, e diziam, na vila, que virara fantasma, porque ninguém nunca mais vira seu corpo, mas a brisa da noite trazia murmúrios que faziam lembrar a voz gasta do velho contando, em surdina, histórias do além.
_No dia do aniversario dele iamos em sua casa sem sermos convidados e quem ganhava presente eramos nós. A mulher, dona Mariana, fazia um pão de panela muito bom! Eles não tinham filhos acho que por isso gostavam tanto de nos reunir todos a sua volta.
_E desta vez não foi diferente: mau grado a tristeza em que dona Mariana andava, morrendo de saudade do velho companheiro, lá estava à nossa espera o pão de panela quentinho, tão apetitoso quanto a nossa memória nos permitia recordar.
E então quem começou a contar a história foi eu...
Depois que construiram a nova ponte que liga a ilha ao continente a balsa foi aposentada e com ela o balseiro Manuel, também foi dispensado.
Era um velho entrado em dias que tinha por compania seu cão.Com o movimento de seu trabalho sempre tinha com quem conversar.Agora sem atividade o homem ficara solitário em sua casinha modesta ali mesmo, na velha balsa que ia e vinha todos os dias.
Não foi surpresa quando um dia por acaso ele foi encontrado morto em sua cama e segundo o médico legista, ele havia morrido há dias.
A casa da balsa virou ruinas e foi de vez abandonada.
passados ums seis meses, as coisas começaram a mudar gradativamente.
os pescadores que de vez enquando passavam por lá foram percebendo barulhos estranhos.
pensavam que podiam ser um passante que resolveu se abotelar por lá por um dia ou dois.
Era uma cidade pequena e todos se conheciam. Vadios apareciam, e se iam em seguida.
Uma tarde aquela senhora estranha apareceu no armazém.Ninguém nunca havia visto ela por ali.
O dono da venda surpreso correu comprimenta-la e se prontificando a servi-la, fez as perguntas de praxe:
_Precisa que entregue suas compras senhora?
Respondendo que não ela simplesmente pagou suas sacolas e se foi em direção ao rio.
Ia acompanhada de um cão.Era o cão do Manuel!
_Sim, era o cão do falecido Manuel.
Quando ficaram sabendo que havia alguém morando na balsa, ficaram curiosos e foram mais que depressa tirar satisfação com aquela invasora. Era interessante a atitude protetora daquele cão para com ela.
O cachorro tinha sido do Manuel desde que nascera e estava ali naquele momento, pronto para atacar se preciso fosse, para defender a estranha.
Seria ela alguma parenta do velho Manuel!Pouco provavel pois ele vivera anos ali e nunca ninguém de fora o visitava.
_Ola senhora.Que fazes na casa da balsa? A mulher olha calmamente para os curiosos e diz:
Entrem que explico tudo com calma para todos...Entraram e sentaram onde dava naquela simplória choupana...A mulher tinha uma água quente e serviu-lhes chá e foi contando...
Sou de uma cidadezinha do norte e perdi tudo que tinha numa grande enchente há seis meses e como sou sozinha no mundo o governo achou que não era prioridade me ajudar a recosntruir minha casa. A opção que eu tinha era ir para casa de algum familiar estranho ou ir para um abrigo destes de gente triste e solitária.Então pensei...Já que não tenho mais casa, posso viver em qualquer lugar.Peguei o que me restava de bens e sai a andar pelo mundo...E foi andando que cheguei aqui.
Abismados eles percebem que a mulher não é tão jovem quanto parecia e um pergunta-lhe
_Como a senhora chegou a esta balsa!
_Foi curioso isso...Eu parei no meio daquela ponte a ver os raios de sol da tardinha refletindo na água,era muito bonito,sabe. Por um momento eu senti uma tonteira, e sem ter onde me segurar direito eu cai no rio e ia me afogando mesmo quando senti algo me puxando já era noite quando me vi na margem e tinha este cachorro me lambendo a cara.
Ele latia muito e era tão incistente que me obriguei, com dificuldade, a levantar e segui-lo e viemos parar aqui nesta casa.
Quando entrei tinha um senhor que nos esperava com fogo e uma caneca de chá quente..Me lembro que ele me ajudou a despir a roupa molhada e me fez beber o chá e cobriu-me com cobertores que me pareciam mais um amor de mãe. Podia mesmo estar morta aquela hora que não me importava. Dormi muito e quando acordei não o vi mais por vários dias, só não pensava mais que havia sido um sonho porque estava ali onde me vi, na casa da balsa.
Fui ficando porque ninguém veio reclamar propriedade e por ser tranquilo.E o tal senhor de vez em quando aparece.Ele fica pescando calado lá na ponta da balsa.Eu faço chá, levo e faço-lhe companhia
Os ouvintes atentos
_A senhora sabe o nome do tal homem?
_Ele não disse alias, ele nem fala...Só vem pescar e acaba deixando o peixe que pesca para mim.
Que diabo é isso!!!Quem seria o tal sujeito?
A balsa está abandonada faz tempo e o dono morreu aqui esquecido pelo mundo.Quando o encontramos mal conseguimos juntar-lhe a carcaça para dar-lhe um enterro decente.
_Olha que este senhor não está morto, tenho certeza! Um dia quando ele vier eu peço para irmos até a cidade e voces o verão.
Permitiram que ela ficasse na cabana pois estava limpa e cheirosa. O velho Manuel devia ter arrumado mulher em vida, teria tido vida muito melhor que de ermitão.
Aquela senhora morou muitos anos ali...Até fez um jardim em volta da prainha onde estacionava a balsa.
A mulher nunca levou o tal sujeito a cidade para vermos. Alguns diziam que era mentira aquela história, outros porém diziam que ela descreveu direitinho o velho Manuel.Tantos mistérios cercam-nos que sempre pairam dúvidas, vai saber.
Dona Mariana deu um leve riso e disse:
_Aprendeste com chico a contar estas histórias garoto!
Emocionado, acenei que sim.
_Fantasma ou não, ele sempre estará conosco...É por isso que os fantasmas existem. Porque os amamamos e não queremos que sejam esquecidos. Muito obrigada por vir festejar comigo o aniversario do meu Chico.
Depois de trocas de comprimentos e abraços fraternos fomos todos para nossas respectivas casas.E antes de dormir eu pensei:
_Danado do seu chico, não é que ele estava lá o tempo todo!
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Ilustração do pintor Gil Pery