segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Homem Que Pensava Que Dar Um Beijo Era Fazer Uma Endoscopia... Por Paula Justiça


O Homem Que Pensava Que Dar Um Beijo Era Fazer Uma Endoscopia

Era uma vez um homem que pensava que dar um beijo na boca era como fazer uma endoscopia, por isso nunca punha a língua de fora perto dos lábios de uma mulher. Quando era criança aprendeu a falar muito tarde e, já adolescente, começou a apaixonar-se por todos os animais que a mãe - uma fanática defensora dos direitos de todos os seres vivos - metia em casa.
 As dificuldades em relacionar-se com os outros, principalmente com as mulheres, foram aumentando com a idade e cada vez lhe era mais dificil dirigir-se a um espécime do sexo feminino sem vacilar. Aprendeu a satisfazer-se sozinho nas páginas da Internet proibidas pelo pai, um fanático militante do Bloco de Esquerda, que tinha sido obrigado a ler todas as obras de Reich na adolescência, mas que nunca conseguira transpor os seus conhecimentos teóricospara a realidade, daí que só tivesse dois filhos, concebidos precisamente nas duas vezes em que ele e a mãe de ambos beberam demais numa festa de família e perderam o controle do corpo quando finalmente se encontraram sozinhos em casa. Talvez pelos pais não manterem relações de intimidade, o filho mais novo não conseguiu aprender a tê-las e sentia-se completamente indefeso de cada vez que uma mulher o abordava, independentemente da intenção com que o fizesse. O mais velho, como tinha estigmatismo acentuado e nunca usara óculos, tinha alguma dificuldade em distinguir os homens das mulheres, a não ser quando já estavam demasiado próximos dele, por isso mesmo acabou por ser violado por uma moça ruiva, com os dentes de cima salientes e com um QI muito acima do normal, que o ensinou a colher cogumelos e o obrigou a decorar todas as plantas comestíveis, para que se pudessem safar quando o caos se instalasse no mundo.
O mais novo só teve o primeiro relacionamento sexual com mais de trinta anos, com uma senhora que se apaixonou loucamente pelas sobrancelhas dele, mas a quem ele não conseguia de forma alguma satisfazer, pois tinha demasiado receio de ser tocado, chegando mesmo a dormir vestido com medo que ela o pudesse violar durante a noite, tal como tinha acontecido entre o irmão e a ruiva superdotada.
Conheceram-se na Biblioteca Municipal, à entrada, onde se recolhiam os fumadores nos intervalos das esperas e das leituras. Foi ela que lhe pediu lumes, uma, duas, três vezes, até começar a falar com ele como se o conhecesse há séculos.
A partir daí passaram a encontrar-se assiduamente, no café, na pastelaria, no cinema, no teatro. No inicio ele pensou que ela o perseguia, mas chegou à conclusão que tudo era mesmo obra do acaso, os horários coincidentes, o gosto pelo cinema e pelo teatro, o vicio de fumar, de tomar café, de ir à pastelaria da esquina a meio da manhã beber um chocolate quente. Acabaram por se sentar na mesma mesa, chamarem um pelo  outro quando iam fumar, comprarem bilhetes para irem os dois ao Fantasporto. Foi no final duma dessas sessões que ela lhe confessou que estava apaixonada por ele e aí começaram os seus pesadelos! Aceitou o namoro, ir para o sofá com ela na primeira noite em que o convidou para subir ao sótão onde morava, aceitou mudar a tralha e as tartarugas para casa dela, mas de dia para dia se tornava mais tenso, sentia falta  da Internet! Sim, o mundo real é exigente demais! Temos de contactar com pessoas, comunicar com elas, deixar que nos amolguem os espinhos,ser picados por elas. Era como se sentia com a senhora da Biblioteca, dois ouriços cacheiros na mesma casota!
Porque tinha ele aceite viver com ela, como podia ela continuar a gostar dele mesmo depois de o conhecer? Os mistérios do amor são complicados de desvendar, muitas vezes até paradoxais, irresolúveis! Devido a essa consciência e à apatia que lhe era natural, conseguiu morar com ela até ao momento em que lhe exigiu  que usasse a língua quando o beijava na boca. Não, isso era demais, que se servisse do seu corpo, da sua mente, das suas roupas, ele ainda conseguia aguentar, mas obrigá-lo a colocar a língua na boca dela, isso ele não conseguia suportar! Não era só por ela ter a boca tão grande, por não gostar de a ver tão de perto, é porque sempre supusera que os beijos se davam como se via nos filmes dos anos setenta, boca contra boca,mas sem intimidades. Sempre pensara que uma endoscopia seria igual ao beijo no Garganta Funda, filme que o pai tinha trazido do clube de video quando ainda era miúdo. Não, em filmes pornográficos ele não participava! Por isso fez as malas, acomodou as tartarugas no aquário e voltou para casa dos pais.
Ao menos aí podia passar a noite inteira em frente ao computador sem ninguém o incomodar!
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Este a paula começou,a Paula acrescentou e a Paula concluiu.:)


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